No dia 27 de janeiro deste ano, todo o mundo ficou estarrecido diante da triste notícia de um incêndio em uma boate, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Até hoje estamos assustados e ainda sem entender tamanha tragédia. Minha sobrinha de 18 anos, a mesma idade daqueles que morreram na tragédia, me perguntou à queima-roupa: “Tio, onde estava Deus na hora do incêndio”? Na verdade, ela não entendia o motivo pelo qual Deus não havia feito nada. Afinal, ela havia aprendido na catequese que Deus está ao nosso lado o tempo todo. A dúvida é a mesma de milhões de pessoas que ficaram perplexas diante das cenas que se repetiam na TV.
Em nossa visão, achamos que Deus deveria ter feito algo e apagado o fogo ou, quem sabe, agido de maneira milagrosa para que as paredes da boate caíssem como caíram as muralhas de Jericó. Não, as coisas não acontecem dessa forma. Ter Deus ao nosso lado não significa que não passaremos pelas dores ou por momentos difíceis. A presença de Deus em nossa vida não nos isenta do sofrimento e da dor, mas nos dá condições de superá-lo.
A dor e o sofrimento fazem parte da nossa vida por causa da nossa limitação. Seremos livres deles totalmente quando, um dia, vivermos em Deus. Mas enquanto caminhamos nesta Terra imperfeita e limitada, estaremos à mercê do sofrimento e da dor. A diferença está em que aquele que vive uma vida na fé e em Deus encara e supera o sofrimento de forma diferente. O que vive pela fé não é vencido pelas tribulações, mas supera tudo porque Deus está ao seu lado. Aquele apóstolo também sentiu isso, ele não foi poupado do sofrimento, mas tinha certeza da sua vitória: “Em tudo somos oprimidos, mas não sucumbimos. Vivemos em completa penúria, mas não desesperamos. Somos perseguidos, mas não fcoamos desamparados. Somos abatidos, mas não somos destruídos”. (2 Cor 4,8-9).
Disse tudo isso à minha sobrinha, que ainda permanecia em dúvida e retrucou: “Entendi, mas por que Deus não fez alguma coisa para evitar aquilo tudo?”
Sei que esta é a pergunta que todos estão fazendo porque fomos criados pensando que Deus deve fazer tudo por nós. Felizmente não é assim. Digo felizmente porque Deus nos criou para que tivéssemos um relacionamento de amor com ele. Ora, para que isso aconteça deve haver liberdade. Caso contrário, não seria amor, mas pura obediência. Amamos a Deus com tanta liberdade que podemos até rejeitá-lo, caso seja essa a nossa escolha. Por isso Deus não intervém na nossa história a todo momento. Fazemos o nosso caminho a partir daquilo que apreendemos do seu amor, temos a sua força que nos impele a superar os momentos difíceis, mas não somos parte de um brinquedo de Deus.
Se ocorrem tragédias, acidentes e ataques terroristas, Deus não é o culpado. Até entendo que diante de uma falta de explicação para os fatos tentemos buscar um e, não achando ninguém, culpamos Deus. Mas as tragédias acontecem por falta de responsabilidade humana. Os acidentes são frutos do desgaste de peças e de falhas humanas, e os ataques terroristas são fruto da maldade do coração dos homens. Deus não participa disso.
É melhor mudar a pergunta para “onde está Deus neste momento?”. Ele está nas milhares de pessoas que são solidárias e rezam por essas famílias. Ele está nas centenas de voluntários que se uniram para ajudar. Deus permanece no coração daqueles que enxugam as lágrimas de pai inconsoláveis. Ele estará na voz daqueles que irão denunciar as péssimas condições de segurança de locais semelhantes à boate Kiss para que outras tragédias não venham a acontecer.
Deus deve estar em seu coração neste momento para que você procure alguém que esteja sofrendo para consolar e ajudar. Deus pode fazer tudo, mas prefere fazer tudo sempre através de você.
Padre Juarez de Castro
Fonte: Revista Viva Mais
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