segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Artigo Padre Jurez: Os colecionadores

Era uma vez dois amigos. Um se chamava Epitácio e o outro Teófilo. Todos os dias de manhã os dois se encontravam na praça daquela pequena cidade para conversar, trocar ideias e falar sobre o assunto que mais interessava aos dois. Eles eram colecionadores. Apaixonados por aquilo que faziam, sempre tinham assunto. Epitácio falava mais e tinha um jeito mais explosivo. Seus comentários sempre eram reclamações de algo. Poderia até dizer que era rabugento. Colecionava relógios antigos: de bolso, de parede e até relógios que não mais funcionavam.
Teófilo colecionava livros. Todos que lhe chegavam por doações ou que ele havia comprado estavam dispostos ordenadamente nas estantes. Não gostava de ser considerado um “colecionador”, era um bibliófilo – amante dos livros. Teófilo, ao contrário de seu melhor amigo, era calmo, falava baixo e sempre sorria diante das coisas. Sempre tinha uma palavra para alguém que o procurasse.
Epitácio e seus relógios viviam enfurnados na casa imensa onde morava. Havia ficado viúvo há alguns anos. Tinha cinco filhos que também não o visitavam há muito tempo. Também pudera! Epitácio sempre fora rude com eles. Desde que eram pequenos, jamais deixou que se aproximassem de seus relógios. E dizem que, quando sua esposa estava doente, ele preferia ficar perto dos relógios e não ao lado dela. Aliás, deve ser verdade, pois Epitácio não tem nenhum amigo, exceto Teófilo, por quem tem um grande carinho, mas da maneira dele, sem lembrar a data do aniversário, sem ligar pra saber se está bem.
Diferente é Teófilo. É amigo da cidade toda. Todos vão à sua casa, entram e saem a hora que querem. Procuram-no para um conselho, uma conversa e um cafezinho. Aliás, ele sempre tem um cafezinho e um livro para oferecer. Todos que vão à sua casa ganham um livro, que ele escolhe com carinho na estante, e presenteia a pessoa que esteve com ele. Depois, faz um pedido: “Assim como lhe dou este livro que gosto tanto, esteja sempre disposto a dar para os outros aquilo que seja importante para você”. As pessoas lhe dizem para não dar seus livros, pois ele acabará sem nenhum. Quando ouvia coisas assim, ele somente ria olhando através de seus óculos impecavelmente limpos. Teófilo também é viúvo. Sua mulher morreu bem nova, não ficou muito tempo doente, dizem que morreu de repente. Não tiveram filhos e Teófilo costuma dizer, brincando, que não os tiveram porque Deus havia colocado a cidade toda como seus filhos.
O que ninguém entendia era como Teófilo conseguia ser amigo de Epitácio. Teófilo era tão simples, sorridente, bondoso, desapegado. Epitácio era carrancudo, esnobe e excessivamente apegado aos seus relógios. Dizem que sua coleção era sem fm. Peças de ouro, prata, algumas cravejadas de pedras preciosas, de todos os tipos e tamanhos. Ninguém nunca havia visto nenhum deles, pois Epitácio não deixava ninguém entrar em sua casa e, claro, muito menos ver a coleção. Se alguém chegava à porta era recebido lá mesmo, com o dono espiando pelo vão da porta que se entreabria. Epitácio não falava com ninguém e ninguém falava com ele; pudera, eram recebidos com patadas!
Numa manhã ensolarada, aquele encontro não aconteceu. Naquele banco da praça não estava Epitácio nem Teófilo. A cidade inteira conhecia as duas figuras. Ficaram surpresos e foram saber. Veja como é a vida. Os dois amigos que se encontravam todos os dias morreram no mesmo dia. Epitácio e Teófilo se foram.
Dizem que ninguém foi ao enterro do Epitácio, nem seus filhos. Em compensação, ao velório do Teófilo a cidade toda estava presente.
Já faz muito tempo que os dois morreram. As pessoas se lembram com saudade da alegria de Teófilo, mas hoje em dia, muita gente nem sabe onde ficava a casa de Epitácio. Perguntei para algumas pessoas o motivo dessa diferença tão grande. Responderam-me de pronto:
– Também, pudera! Epitácio passou a vida colecionando relógios e Teófilo, amigos!

Padre Juarz de Castro

Fonte: Revista Viva +

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