Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Bispo de Macapá
Uma velha senhora
doente dos olhos mandou chamar um médico. Ele foi atendê-la e, sempre que lhe
aplicava um unguento, roubava alguma coisa da casa, já que ela estava de olhos
fechados. Depois de tratá-la e de levar seus móveis, apresentou-lhe a conta.
Como a velha não quis pagá-lo, ele abriu-lhe um processo. No tribunal, ela
declarou que tinha se comprometido com ele a pagar desde que ele a curasse;
ora, no momento, ela estava vendo bem menos que antes da cura: - Antes – disse
ela – eu via todos os móveis de minha casa; agora não vejo mais nenhum.
Sempre simpáticas as
antigas fábulas de Esopo. No caso, a senhora idosa acabou vendo melhor do que o
médico pensava: percebeu que tinha sido roubada. A vista é um grande dom, mas
não basta enxergar bem, é preciso compreender o que estamos vendo. É por isso
que na frente da mesma realidade nem todos os que estão olhando enxergam a
mesma coisa.
No segundo domingo de
Páscoa, todo ano encontramos o evangelho de João que apresenta a primeira
aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos reunidos e bem trancados em casa
por medo dos judeus. Tomé não estava presente e não acreditou naquilo que os
outros diziam ter visto. Oito dias depois, Jesus compareceu novamente e
repreendeu o apóstolo incrédulo. Em resposta este fez abertamente a sua bela
profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus!”. Com certeza esta foi uma das
primeiras expressões do “credo” da Igreja com referência a pessoa de Jesus, o
crucificado-ressuscitado começando a chamá-lo, assim, de Senhor e Deus.
Sempre estamos prontos
a ficar do lado do pobre Tomé, porque achamos que ele tinha todo o direito de
conferir os sinais da paixão no corpo de Jesus para não ficar pensando que os
outros pudessem ter visto errado. No entanto bem sabemos que nós nunca vamos
poder repetir a mesma experiência; nós estamos exatamente na condição dos
bem-aventurados que terão que acreditar não por uma visão pessoal, mas pelo
testemunho dos outros, de quem “viu e acreditou” (cf. Jo 20,8). O segredo da
história, portanto, está no testemunho. Podemos nos perguntar: Tomé não
acreditou imediatamente mais pelo fato de não ter visto o Senhor Jesus na
primeira vez ou mais pela atitude dos discípulos que continuavam trancados em
casa? O nosso amigo tinha todo o direito de duvidar daquilo que os outros
diziam, simplesmente, por continuar a vê-los ainda com tanto medo. Deve ter
pensado que se tivesse sido verdade que Jesus estava vivo e tinha doado a eles
o dom do Espírito Santo (cf. Jo 21,22) por que estavam guardando para si a Boa
Notícia? O que estavam esperando para sair em missão? A prova, legítima, da
dúvida de Tomé está na forma como o livro dos Atos dos Apóstolos nos conta a
chegada do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Naquele dia, portas e janelas
foram escancaradas e os apóstolos saíram para pregar a absoluta novidade:
aquele que foi crucificado estava vivo, tinha vencido a morte e, agora, Ele era
o Senhor da Vida. O medo se foi. Por causa deste anúncio, eles foram
caluniados, açoitados e até mortos. Pelo testemunho deles a fé em Jesus “Senhor
e Deus” chegou até nós.
Quantas vezes, nos
dias de hoje, perguntamo-nos: Por que é tão difícil crer e por que também dá
tanto trabalho quebrar o gelo dos corações, atrair as pessoas, para que se
deixem ajudar a encontrar Jesus, aquele que é capaz de comunicar vida, força e
esperança a todos os que o procuram de coração sincero? A resposta ainda é e
sempre será o nosso testemunho. A nossa fé deve ser corajosa, deve ser bem
visível e inequívoco; deve ser comprovada pelas nossas obras, pela dedicação em
transformar o mundo com o bem e o amor, pela defesa da justiça em favor dos
pobres e dos pequenos.
A ausência de fé ao
nosso redor é uma acusação contra nós. Pode ser que nos tenhamos apropriado de
algo que não é somente nosso e que precisamos devolver. A velha senhora
desmascarou o médico ladrão. Para acreditar, o mundo nos pede o testemunho da
fé. Se está nos cobrando é porque percebe que lhe falta alguma coisa. Isso é
bom.
Fonte: CNBB
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