sexta-feira, 13 de julho de 2012

Artigo: Cabeça dura

Dom José Alberto Moura
Arcebispo de Montes Claros (MG)

Diante de um pluralismo religioso abundante, deparamo-nos também com o posicionamento de rejeição não só da religião mas até de Deus. Há quem se pronuncia como crente mas vive como se Deus não existisse. Opõe-se até a valores propostos por pessoas religiosas, entendendo que se trata de assuntos só ligados à religião, mas, na verdade, e em primeiro lugar, são valores inerentes à natureza dos seres e ligados diretamente à vida e à dignidade da pessoa humana, como não matar um ser humano indefeso antes de ele nascer.

Jesus conviveu com muita rejeição de grupos à sua pessoa e a seus ensinamentos. Sua presença e proposta de vida contrariavam a conduta e o ensinamento de muitas lideranças. Por isso, foi perseguido e morto. Segui-lo requer do discípulo coragem, convicção e vida de fé coerente com o Evangelho. Há quem quer impor ao grupo religioso regras, até contrárias aos valores do mesmo, encarando a religião apenas como entidade de consumo ou seja, de ritos e buscas de vantagens econômicas, de superação de males físicos, psíquicos e sociais. De fato, Jesus curou muita gente desses males, mas não sem dar base à cura da alma. Não basta o bem estar na ordem material e física.

É preciso a pessoa usar os meios adequados e ter conduta adequada à consecução de sua plena realização humana, sedimentada no amor vivenciado com a prática do projeto de Deus. A religião não é finalidade. É instrumento. Quanto mais ela se afinar com o projeto do Criador, apresentado pelo Filho de Deus, mais tem eficácia no seu conteúdo e nos seus propósitos. Jesus não instituiu à toa sua Igreja, para ela ser instrumento eficaz de apresentação do ideal de vida que leva a pessoa a conseguir, com grande facilitação, sua meta existencial.

O profeta Ezequiel já lembrava aos judeus rejeitadores da proposta divina: “Eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se afastaram de mim.... A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra vou-te enviar” (2, 3.4). A missão de Deus, aceita por quem tem fé é árdua, mas garantidora de sucesso. Se existem os que se opõem à ética, à moral de base à realização humana, à grandeza de caráter, ao respeito à dignidade da vida e da pessoa humana, como templo de Deus, à boa política, à moralidade pública, ao respeito e à promoção da família, à sensibilidade e inclusão dos rejeitados da vida... há também quem luta incansavelmente para apresentar o grande motor da propulsão do bem humano, com a fé transformadora da convivência e com os critérios da cidadania apresentados pelo Filho de Deus.

Os limites humanos, lembrados por Paulo, não devem ser desculpas para alguém rejeitar os valores religiosos que ajudam a construir uma civilização do amor e da justiça: “Foi espetado na minha carne um espinho, que é como um anjo de satanás a esbofetear-me...Mas ele disse-me: ‘Basta-te a minha graça’” (2 Coríntios 12, 79). Encontramos limites humanos em qualquer organização, mesmo a religiosa, que não desmerecem o exemplo e os valores vividos por grandes parcelas e os inerentes à ação divina.

Muitos, mesmo vendo os prodígios realizados por Jesus, ficavam céticos por não terem uma fé baseada na aceitação do divino apresentado com o divino-humano de Jesus. Ele mesmo falou: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (Marcos 6, 1-6). A fé, além de ser dom de Deus, precisa da correspondência de nossa parte.

Fonte: CNBB

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