sexta-feira, 2 de março de 2012

Artigo: Como está seu irmão?

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)

A Mensagem do papa Bento XVI para a Quaresma deste ano aborda um aspecto importante da vivência cristã: o amor ao próximo, que se traduz no interesse concreto pela situação em que ele se encontra. O Papa toma como base de sua Mensagem a citação da Carta aos Hebreus: “estejamos atentos uns aos outros, para nos estimularmos no amor fraterno e nas boas obras” (Hb 10,24).

O tema está em sintonia com a grande proposta da Quaresma: a conversão ao Reino de Deus e a busca da vida cristã verdadeira e coerente. A atenção fraterna de uns pelos outros leva-nos ao significado central do nosso Batismo e de nossa pertença à Igreja: somos filhos e filhas de Deus e, portanto, irmãos uns dos outros na ordem da fé e da graça de Deus. Por isso, não podemos ficar desinteressados uns em relação aos outros. A situação do próximo, no bem e no mal, diz respeito a nós também. Nenhum ser humano nos é indiferente, nem pode ser considerado por nós como um “ninguém”.

Este interesse pelo próximo deve ser traduzido, de várias maneiras, em atitudes de caridade e de solidariedade em vista do seu bem físico, de sua saúde e bem-estar, de seu bem moral, sua dignidade e seus direitos fundamentais, seu bem espiritual e sua salvação eterna.

Jesus ilustra na parábola do bom samaritano o interesse que devemos ter pelo próximo. Passaram pelo homem caído ao lado da estrada diversas pessoas, muito atentas para não sujarem as mãos com aquele infeliz desconhecido, caído ao largo da estrada; um samaritano, porém, encheu-se de compaixão por ele, inclinou-se sobre ele, socorreu-o, cuidou de suas feridas e tratou bem dele. Esse samaritano recebeu os elogios de Jesus, pois fez a coisa certa e não passou indiferente diante dos sofrimentos do próximo.

Observa o Papa que o cuidado de uns pelos outros deve incluir a correção fraterna; também esta foi ensinada e recomendada por Jesus (cf Mt 18,15). Quando um irmão toma o caminho errado na vida e corre o risco de “perder a sua vida”, ou seja, a sua salvação eterna, temos o dever fraterno de adverti-lo e de ajudá-lo a retomar o bom caminho. Se não o fazemos, pecamos por omissão e, um dia, poderá ser pedido a nós: “que fizeste por teu irmão? Não te importou nada que ele se perdesse?” Ninguém entrará no céu sozinho... Por isso, a pregação do Evangelho, apresentando Jesus ao mundo como o “caminho, a verdade e a vida”, é uma grande obra de bem e pode ajudar inúmeras pessoas a encontrarem a via justa e a vida eterna.

O progresso do mal, que desencaminha muitas pessoas da via justa, não nos deve deixar indiferentes e calados, nem por respeito humano, nem por mera comodidade. Alguém já disse que, mais grave que a maldade dos maus, é a indiferença dos bons. Mas há um problema: em tempos de individualismo exacerbado, torna-se cada vez mais difícil exercer esta forma de caridade, pois poderá ser sempre vista como uma interferência indevida na liberdade e na vida privada alheia... E o subjetivismo, que eleva o indivíduo em instância suprema e referência última de verdade e de valor, inibe as pessoas e lhes dificulta dizer algo ao próximo sobre o que é bom ou mau: “cada um faz o que acha bom e ninguém tem nada a dizer ou reparar”...

Para nós, no entanto, que temos Deus e seu Reino, manifestados em Jesus Cristo, como instância última de verdade e de valor, essa atitude seria inaceitável. Por isso, não devemos nos abster em prestar ajuda ao próximo, para que também ele encontre “o caminho, a verdade e a vida”. Esta é uma suprema forma de caridade! É claro que o cristão deverá sempre fazer a correção fraterna com mansidão, paciência e bondade (cf Gl 6,1). E a correção mais eficaz será sempre aquela que fizer acompanhar as palavras com o bom exemplo e o testemunho da retidão de vida de quem corrige o próximo.

A segunda parte da passagem da Carta aos Hebreus, citada pelo Papa, fala de outra dimensão da vida cristã: estimular-se na prática do amor fraterno e nas boas obras. Aqui poderíamos falar de um inteiro programa de vida, começando pela superação dos vícios e pelo cuidado para não dar mau exemplo nem ser motivo de escândalo para ninguém! A prática das boas obras equivale ao cultivo das virtudes cristãs, que frutificam em boas obras, com a ajuda da graça de Deus.

Este “tempo favorável”, de muitos modos, nos estimula a “progredir no conhecimento de Jesus Cristo e a corresponder ao seu amor por uma vida santa” (cf Oração do 1° Domingo da Quaresma).

Fonte: CNBB

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