segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Artigo: A prioridade da ética

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Dois tipos de manifestações estão surgindo no coração da sociedade como reclamações urgentes. De um lado, estão se encorpando os protestos contra a corrupção. Não se pode calar diante de desmandos e de atos que corroem o bem de todos. Por outro lado, cresce a reclamação diante da avalanche legislativa enlouquecedora. Noticia-se que, nas últimas duas décadas, foram criadas 4,2 milhões de leis no Brasil. O grande número, junto com as dificuldades de interpretação que podem ser explicadas pela predominância de um texto excessivamente rebuscado, prejudica o usufruto da legislação. Também dificulta o próprio respeito às regras pelos cidadãos. 

Apesar de todo esse arcabouço legislativo, sente-se falta de procedimentos legais que regulamentem esferas de grande importância para a vida em sociedade e possam garantir a indispensável transparência, remédio contra corrupção. Por exemplo, pergunta-se por que está parada a tramitação da lei de transparência que obriga o governo a divulgar as informações sobre a execução de contratos com empresas privadas. Sem uma resposta, é possível concluir que o sistema tem leis em abundância, mas, ao mesmo tempo, carece de regulamentação. Uma necessidade evidente ao se considerar a complexa e múltipla realidade contemporânea, com suas marcas globais e com suas múltiplas possibilidades de intercâmbio e participação.
Voltando, no entanto, ao movimento de combate à corrupção, contracenando com a avalanche legislativa, um desafio para a interpretação e a prática, parece sempre oportuno remeter a reflexão à questão da ética. Ora, não se pode dispensar o foro privilegiado da consciência presidindo condutas, garantindo respeito aos direitos, o sentido de legalidade e a exigência primeira de fidelidade à verdade, à justiça e ao amor. Não se pode pensar que toda a estrutura legislativa por si só será suficiente para a conquista da transparência e o combate à corrupção. É preciso priorizar a dimensão ética. A relativização dessa prioridade nos processos formativos, de diferentes níveis e para os diversos públicos, certamente compromete o exercício da cidadania.

O raciocínio é que a formação técnica, por exemplo, para atender demandas do mercado de trabalho, com suas diferentes expertises - possibilidades interessantes e indispensáveis - não pode ser considerada como suficiente. A ética é uma aprendizagem necessária que precisa ser priorizada no contexto sócio-político contemporâneo. É composição insubstituível na configuração dos processos educativos. Não se consegue manter o controle apenas porque existe uma lei. As leis são muitas, mas o respeito à legislação não tem sido proporcional à conta amarga que se paga pelos atentados contra o erário público e a vida, não raramente de modo irreversível.

Há um núcleo que precisa ser cuidado. É o núcleo recôndito da consciência. A formação da consciência é uma demanda fundamental. Do contrário, mesmo com as leis - tantas gerando dificuldades de interpretação, execução e, consequentemente, respeito - se legislará sempre mais e se avançará muito pouco. Será mais difícil a conquista da dignidade, do decoro ético e do apreço a uma conduta pautada pela verdade, fiel à palavra dada, aos valores e princípios básicos.

O sucateamento da educação - particularmente no âmbito da escola pública - que ocorre junto com o avanço da dependência química, da violência, do atentado contra vida - entre outros horrores - assim como a crise na vida familiar e profissional, não serão revertidos sem que a ética se torne prioridade. Não se trata apenas de apresentação de narrativas sobre valores e princípios. O investimento se refere à opção fundamental de cada indivíduo.

Uma decisão que brota do centro da personalidade, do coração - com a força de condicionar todos os outros atos, com uma densidade tal que, abrangendo totalmente a pessoa, orienta e dá sentido à sua vida. Essa opção fundamental é a expressão básica da moralidade, que se aprende e se cultiva. Não se localiza simplesmente do lado de fora, na objetividade legislativa ou nos indispensáveis mecanismos de controle. Há uma vida moral que precisa ser sempre almejada e pode ser conquistada, quando a ética torna-se prioridade.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte - MG

Fonte: Zenit

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