sexta-feira, 6 de abril de 2012

Artigo: Idolatria ou ateísmo

Dom Eduardo Benes
Arcebispo de Sorocaba (SP)

“Uma sociedade em que Deus está ausente não encontra consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo esses valores, mesmo contra os próprios interesses” (Bento XVI). No último artigo para esta coluna estivemos em contato com Agostinho de Hipona, o jovem sedento de vida, que, entretanto, só se aquietou quando encontrou a Verdade suprema, Deus. Encontrou-a não na filosofia grega, embora alguma luz da verdade lhe tenha chegado através do filósofo Platão, encontrou-a em Jesus Cristo, o Deus feito carne. O ocidente, plasmado na luz do cristianismo, distancia-se mais e mais de suas origens, pretendendo conservar os valores humanos que recebeu da fé cristã, sem referir-se às suas raízes transcendentes.

A proposta marxista para a organização da sociedade é o exemplo acabado dessa secularização radical. O mistério do Deus cristão, – três pessoas em uma única natureza – seria a projeção do sonho humano de uma sociedade onde tudo fosse de todos e onde cada indivíduo estaria todo inteiro entregue á coletividade. O cristianismo teria sido um momento privilegiado de retorno do ser humano à sua própria essência, um passo decisivo do ser humano em direção à sua própria humanidade, quando fez da encarnação de Deus o meio de acesso à plenitude da comunhão divina. Deus não se encontra nas alturas, mas na terra, e se esconde sob o véu do outro. O mistério da encarnação foi interpretado pelo filósofo alemão, Feuerbach, como início do processo de desalienação do ser humano por fazê-lo voltar-se para si mesmo e progressivamente descobrir que Deus na verdade não é outra coisa que a própria essência humana separada de si mesma e adorada como um outro. O aprofundamento da vivência do cristianismo como amor ao ser humano desembocaria no ateísmo, que, longe de ser a perda total do sentido, haveria de ensejar o surgimento de um novo humanismo, agora liberto de sua prisão religiosa.

Marx, na esteira de Feuerbach, se tornou o profeta da nova humanidade que haveria de surgir pela revolução socialista. No lugar de Deus, a eternidade e a força evolutiva da matéria e, como interpretação científica da história, o materialismo histórico. Qualquer busca de transcendência religiosa é deslize para fora da história e desperdício da energia destinada à transformação do mundo.

O real é tão somente o mundo do econômico, do social e do político. Tudo o mais é reflexo. Esta secularização radical da existência humana não é patrimônio exclusivo do marxismo, mas nele encontrou uma formulação mística, forma ateia de sobrevivência do dinamismo religioso que mora nas profundezas do ser humano. A crise do socialismo real deixou no desamparo “religioso” muitos que apostaram na profecia marxista.

O ocidente corre o risco de ficar definitivamente órfão de Deus e, por isso, privado de um horizonte maior que dê sentido à existência, à vida e à morte do ser humano. Ou será o sentido último de todas as coisas o progresso material, científico e técnico, a oferecer sempre um conforto a mais ao ser humano sedento de vida? A Constituição Pastoral, Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, na década de 1960, nos colocava diante de algumas questões fundamentais: “Que é o homem? Qual o sentido da dor, do mal, e da morte, que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a existir?

Para que servem essas vitórias, ganhas a tão grande preço? Que pode o homem dar à sociedade, e que coisas pode dela receber? Que há para além desta vida terrena?” O ocidente secularizado pretende ignorar essas questões, cancelando de seu horizonte, como destituidas de sentido, as questões sobre o sentido último de todas as coisas. Ao ignorá-las e desistir de lhes dar resposta o ocidente perde o senso de orientação e não tem mais onde fundar os valores que devem reger a vida humana e garantir um futuro digno para a humanidade.

O propósito de construir a sociedade justa sem Deus mostrou-se ineficaz e fracassou. Ele deve ressurgir a partir da redescoberta de Deus, não de um deus qualquer, mas do Deus de Jesus Cristo, que amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho Único. Um Deus capaz de dar a vida para salvar o ser humano. Este Deus é muito mais, infinitamente mais que tudo aquilo que d’Ele se possa pensar ou sentir, Ele transcende toda a realidade contingente e sua transcendência é reserva infinita de amor.

Sem a experiência desse Deus, comunhão infinita de amor, o ser humano não pode conhecer-se plenamente e nem saber os caminhos de sua realização e, mais ainda, não pode - não dispõe de forças -, viver segundo os valores de sua dignidade. Por crer assim a Igreja não pode deixar de anunciar Jesus Cristo, o Verbo encarnado, como o nome no qual os homens podem ser salvos(cf. AT 4,12 ). Se houver muitos discípulos e missionários dessa Verdade, a humanidade estará salva

Fonte: CNBB

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