terça-feira, 29 de maio de 2012

Artigo: Religião e Educação

Dom Eduardo Benes
Arcebispo de Sorocaba (SP)

Manifesto nesse espaço minha posição sobre oração nas escolas. A Sociedade é anterior ao Estado e este surgiu para garantir o bom funcionamento da Sociedade. Está a serviço do Bem Comum. É, pois, uma instituição que não pode tornar-se instrumento de nenhum grupo particular, religioso ou não. O Bem Comum foi definido na Encíclica “Mater et Magistra”, de João XXIII como o “conjunto das condições sociais que permitem e favorecem nos homens o desenvolvimento integral da personalidade”.

Todos os cidadãos devem cooperar para o Bem Comum e zelar por ele é o precípuo dever do Estado. O Estado laico é, portanto, uma conquista da racionalidade política. Mas o Estado não é o dono da sociedade. O Estado não é dono das escolas e, ao organizar o processo de ensino, deve levar em conta o bem da sociedade como um todo. O Estado não é nem ateu nem religioso. Ser ateu ou religioso é decisão das pessoas. Mas é verdade que a religiosidade está presente em todas as culturas e as instituições religiosas sempre tiveram grande significado para a organização da sociedade, na medida em que ofereceram um fundamento transcendente para aqueles valores sem os quais a paz social se torna impossível. É verdade também que a intolerância religiosa, sobretudo em Estados teocráticos, fere a liberdade religiosa ou de crença.

Um Estado ateu, que professe a fé na inexistência de Deus, como pretenderam ser os Estados comunistas, acaba por coibir a liberdade religiosa, julgando-se no direito de tornar todo o espaço social fechado para manifestações do espírito religioso de um povo. Esse ranço anti-religioso sobrevive na cultura do ocidente e se bate com violência contra a fé cristã. Mas, voltemos ao assunto do início. O Estado não é o dono, por ex., das escolas. Deve garantir seu funcionamento e deve financiá-las. Nada mais democrático que – de acordo coma vontade dos pais - na escola onde estudam seus filhos, estes recebam o ensino da religião que professam. Naturalmente dentro de uma abordagem construtiva onde sejam respeitadas outras opções religiosas, inclusive a profissão de fé ateística. O leitor, a estas alturas, pode estar perguntando por que falo de “profissão de fé ateística”.

É que o ateismo é uma opção. Não se pode provar cientificamente a inexistência de Deus. A questão de Deus se coloca fora do campo da pesquisa científica. Ninguém encontra Deus por verificação empírica. Mas todos os cientistas acabam se colocando a questão: existe uma inteligência suprema que pensou o universo? Se existe, qual sua intenção ao desejar a existência do ser humano? É possível conhecer Deus? Quem é Ele e como Ele é? Mas esta não é uma questão a que as ciências possam resolver. É, entretanto, uma questão fundamental, na qual está implicada a própria questão do ser humano: de onde venho e para onde vou?

Deus não é constatável por via empírica. A questão de Deus coloca-nos diante de outra ordem de conhecimento: aquele que nos vem pela reflexão. O ateísmo de Sartre, por ex., é uma opção que ele procura justificar em sua reflexão filosófica. Assim também Freud para quem a religião é uma ilusão do desejo. Marx pensa ser a religião a suprema alienação, no sentido de que nela o ser humano se consola com o sonho de um mundo em que, enfim, todas as contradições vividas no mundo real serão solucionadas.

Nos países comunistas ensinava-se na escola o “materialismo científico” para formar seres humanos novos, capazes de criar uma sociedade justa e fraterna, onde Deus seria definitivamente dispensado. A crítica da religião é para todos nós sempre bem-vinda. Ajuda-nos, a nós religiosos, purificar nossas práticas das patologias religiosas. Em diálogo com Habermas, Bento XVI fez a seguinte afirmação: “há patologias na religião que são extremamente perigosas e que tornam necessário encarar à luz da razão como um, por assim dizer, órgão de controle, a partir do qual a religião sempre deve se deixar purificar”. Mas logo a seguir afirma também: “há patologias da razão (do que, hoje em dia, a humanidade em geral não tem exatamente consciência), uma hybris da razão, a qual não é menos perigosa, ao contrário, devido à sua potencial eficiência, muito mais ameaçadora: a bomba atômica, o homem como produto. Por isso, por outro lado, a razão também deve ser lembrada de seus limites e aprender a disposição de ouvir as grandes tradições religiosas da humanidade.” Que bom seria que em nossas escolas nossos estudantes pudessem receber o ensino religioso de sua tradição e pudessem com os outros rezar as orações da tradição cristã e conhecer orações de outras tradições religiosas, igualmente belas, que lembram ao ser humano que “uma sociedade em que Deus está ausente não encontra consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo esses valores, mesmo contra os próprios interesses”.( Bento XVI).

Fonte: CNBB

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