segunda-feira, 7 de maio de 2012

Crescer em Humanidade

Dom Francisco Biasin
Bispo de Barra do Piraí/Volta Redonda (RJ)

Na profissão de fé, o Credo, proclamamos que Jesus “desceu do céu, se encarnou no seio da Virgem Maria e se fez homem”. Esse “fazer-se homem” de Jesus nos encanta porque o torna muito próximo de nós. Superando certa apresentação redutiva da pessoa de Jesus que o descreve já completo, desde o seu nascimento, como se se tratasse de um “menino prodígio” porque Filho de Deus, devemos nos ater a quanto os próprios evangelhos nos apresentam a respeito dele.

Sintomática neste sentido é a afirmação do evangelista Lucas, que como médico sabia compreender melhor a pessoa humana em todas as suas dimensões, também a fisiológica e psicológica, quando a respeito de Jesus diz: “O menino foi crescendo, ficando forte e cheio de sabedoria. A graça de Deus estava com ele.” (Lc 2,52).

Afirma-se aqui um verdadeiro crescimento de Jesus, uma progressão rumo à maturidade: isso quer dizer que ele aprendeu a ser homem, se fez homem aos poucos, como todos nós, assumindo deste modo plenamente a nossa natureza. E neste crescimento, a graça de Deus estava com ele!

À primeira vista, estas afirmações parecem obvias! Acontece, porém, que elas trazem conseqüências importantes e sérias na nossa vida e na vida de cada homem e mulher que se dizem discípulos de Jesus.

Em primeiro lugar aceitar a humanidade de Jesus e o seu crescimento significa colocar como alicerce do caminho do discipulado uma humanidade sadia e trabalhar a vida toda para se tornar “homem” ou “mulher” humanamente dotados de equilíbrio e de sabedoria.

É um desastre para uma pessoa disfarçar a falta de humanidade cobrindo-a com o manto da religião: agindo assim ela só cria desequilíbrios perigosos para si própria e para quem convive com ela! Não dá para acobertar sérias deficiências psicológicas com o multiplicar-se de orações e práticas religiosas: desta feita colocam-se em realce certas expressões de esquizofrenia que desestruturam as pessoas e estragam os relacionamentos comunitários. Uma pessoa religiosa, mas “des-humana”, não presta um bom serviço à causa do evangelho e da sua Igreja.

Antigamente se afirmava que a graça supõe a natureza e nela se alicerça. Temos a impressão que hoje se alcem muitos vôos místicos, ou melhor, “pseudo-místicos”, ignorando por completo ou em parte a humanidade das pessoas, seu crescimento gradativo e suas fragilidades ou feridas que precisam de tempo e paciência para serem curadas, exigindo “milagres” de transformação.

Há também quem despreze tudo aquilo que não tem a marca e o rótulo do sagrado, considerando como pertencente a Deus e abençoado somente o que se asperge com água benta e tem a oração de um ministro. Assim facilmente se esquece que tem realidades já abençoadas pela sua própria bondade intrínseca, como, por exemplo, o amor humano que em si já tem a marca da presença de Deus e portanto é impregnado da bênção de Deus Criador e Pai e a Ele bendiz.

O relato da criação no livro do Gênesis repete a cada ação de Deus Criador: “e viu que era bom!” e, depois de criar o homem e a mulher, afirma: “e viu que era muito bom!” Esta bondade intrínseca das criaturas é já a bênção de Deus e continua existindo hoje também, apesar do estrago que nós fizemos.

Este estrago, assumido pela humanidade de Jesus e por ele redimido enquanto Filho de Deus, deve ser consertado e superado por todos nós. Por isso é necessário reconstituir a humanidade para que a graça seja fecunda e tudo retorne a ser “muito bom”!

O cristão, enfim, é chamado a valorizar tudo quanto de positivo a humanidade vivencia e produz e a dar as mãos a “todos os homens e mulheres de boa vontade” como afirmam os papas no início de suas encíclicas, a partir de João XXIII, porque construir um mundo mais humano já é o início da construção do Reino de Deus.

Quando Paulo VI, o primeiro papa a visitar a ONU em 1965, quis definir a Igreja e seus pastores diante dos representantes dos povos, usou estas palavras: “nós peritos em humanidade”! É um elogio para cada pessoa, mas sobretudo para um discípulo de Jesus, afirmar dele que é uma pessoa rica em humanidade. Hoje, mais do que nunca, é muito importante que sejamos “peritos em humanidade” não esquecendo, nem tampouco menosprezando aqueles gestos de gentileza, de respeito, de delicadeza, de acolhida, de diálogo, de alegria, de perdão e reconciliação, de construção da paz que fazem de cada um e de cada uma de nós, a exemplo de Jesus, pessoas de Deus porque profundamente humanas. E a graça de Deus estará conosco!

Fonte: CNBB

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